Ontem, e por força de circunstância, estive à conversa com dois proselitistas, adeptos fervorosos do salazarismo. Joguei conversa fora, coisas sem importância de maior, mas que foram, contudo, suficientes para me darem a entender que sentem por mim um desprezo amável e compreensivo, quase piedoso. Imagino que eles, quando se refastelam nos velhos cadeirões da demência, se devem sentir quase omnipresentes, pelo menos tão perto do Olimpo quanto pode chegar a sentir-se uma alma sórdida e escura. Chegaram ao ponto máximo. Para um futebolista, o máximo significa um dia fazer parte da selecção nacional; para um místico, comunicar alguma vez com o seu Deus; para um sentimental, encontrar num outro ser alguma vez o verdadeiro e o dos seus sentimentos. Em contrapartida, para esta pobre gente o máximo é um dia sentar-se nos cadeirões da etocracia, experimentar a sensação (que para outros seria tão incómoda) de que alguns destinos, estão nas suas mãos, ter a ilusão de que resolvem, de que dispõem, de que são alguém. No entanto, ontem, enquanto os observava, não consegui ver neles a cara de alguém mas de algo. Parecem-me coisas, não pessoas. Mas que lhes parecerei eu? Um imbecil, um incapaz, um fraco que se atreveu a recusar uma oferta do Olimpo, um Zé Ninguém. Uma vez, há muitos anos, ouvi o mais velho dizer: " o grande erro de alguns homens de negócios é tratar os seus empregados como se fossem humanos," nunca esqueci, nem esquecerei, aquela frasezinha, pela simples razão de que não a posso perdoar. Não apenas em meu nome mas em nome de todo o género humano. Agora sinto a forte tentação de dar a volta à frase e pensar: "o grande erro de alguns empregados é tratar os patrões como se fossem pessoas." Mas resisto a essa tentação. São pessoas. Não parecem, mas são. E pessoas dignas de uma odiosa piedade, da mais infamante entre as piedades, porque a verdade é que constroem para elas uma casca de orgulho, uma repugnante desfaçatez, uma sólida hipocrisia, mas, no fundo, são ocos. Asquerosos e ocos. E padecem da mais horrível variante de solidão, a solidão daquele que nem a si próprio se tem.
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