terça-feira, 12 de novembro de 2019

SÍMBOLOS DE UMA VIDA

SÍMBOLOS DE UMA VIDA

A mancha que tem na pele, a meio caminho do estreito pescoço, é inalterável, não há creme que a tape. Não é grande, não ofende a vista, mas nota-se. É o fígado, diziam-lhe os médicos desde há vários anos com monótona perseverança, mas ela sabe que essa manchinha lhe apareceu aos vinte e um anos exactamente no mês em que se tornou mulher, ou seja, uma época em que ainda não tinha fígado nem coração nem tornozelos nem gengivas, porque uma pessoa vai adquirindo consciência dos seus órgãos à medida que estes começam a doer, e naquele tempo a única coisa que lhe doía era ocasionalmente, o baço, quando corria exageradamente na praia ou atalhos, ou ajudava a puxar as pesadas redes a abarrotar de sardinha na praia de Porto Pim. Hoje, mãe de três filhos, alquebrada pela idade, a manchinha continua visível, sem alterações, uma rosa não tatuada de indescritível beleza.

Vitor Jorge

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