terça-feira, 20 de outubro de 2020

A IDIOTICE EM SÍNTESE

A IDIOTICE EM SÍNTESE

Está linda, a rua. Nem frio nem calor. Um sol muito amarelo, mas morno. Uma brisa marinha que apenas move as bandeirinhas dos estabelecimentos que vendem gelados e as folhas douradas das árvores outonais. 

Gosto da minha cidade, sinto que de algum modo faço parte dela. Olho muitos homens e mulheres opacos, mesquinhamente calculistas, euforicamente míopes, de coração explosivo, mas imprevidente, que desfilam, cinco em cada cinco, deixando a sua avultada caridade na mão suja e estendida da gorda e prepotente aleijada, a mendiga única, a mendiga excepção que, mais tarde, com a sua impecável perna artificial, converter-se-á em florescente dona de vários imóveis e outros pecúlios excedentes, olho estes cultivadores da esmola, estes filantropos do vintém, e embora eu negue o meu contributo, sinto que de algum modo eles representam o meu país, porque todos queremos o céu como pechincha, o poder como pechincha, todos queremos que a vida nos saia mais barata que ao comum dos mortais, e para isso não importa se o meio é a burla, a esmola, a acomodação, a inválida promessa ou a falsa invalidez milionária.

Todos queremos alcançar a vantagenzinha, enganar alguém para salvar a honra, a única forma de adquirir consciência das próprias forças é cometer a mínima indecência que nos ponha ao amparo das mais agressivas de todas as suspeitas, a módica incorrecção que impeça aos demais falar da nossa idiotice, a insuportável idiotice do honrado. Uma coisa é ser bom e outra muito diferente é que tomem uma pessoa por idiota. Esta frase deveria estar inscrita nas notas e moedas do euro. 

O resultado é que no passado, em algum remoto passado desajeitado,todos fomos bons, porém agora que sabemos o segredo, deixámos de o ser para que os demais não nos tomem por idiotas. Com respeito a cada um, todos somos os demais, todos pretendemos tomar cada um dos outros por idiota. Mas como ninguém quer deixar-se tomar por idiota, a consequência é que todos somos iluminados, e estamos, portanto gloriosamente situados por cima desse ser hipotético, caduco, superado, inexistente, esse português em quem todos pensamos quando dizemos: uma coisa é ser bom...

Vitor Jorge
20 Outubro 2019
(Artigo de opinião in Jornal Tornado)

Sem comentários:

Enviar um comentário