Acostumados como estamos a enganar-nos mutuamente, pelo prazer de receber em retribuição outras tantas mentiras, repetimos sem cessar a palavra "civilização", com todos os adjectivos e verbos do mesmo radical. Cumpre, porém, ter a coragem de dizer que os famosos "alvores da civilização", mencionados quando acenamos à invenção da roda e da piroga, são os nossos dias, a nossa época. Hoje e não naquele tempo continuamos na aurora da civilização, sujeitos a contínuos retornos elípticos ao passado. Seria lícito perguntar se a civilização já despontou, ou se somos quando muito mulheres e homens da idade da pedra que instalaram na caverna o aquecimento central a televisão e o frigorífico.
O dinheiro! Sob duas estimativas diferentes; a primeira é a noção equilibrada de quem dá ao dinheiro o peso exacto; a segunda é a estimativa errónea do homem intoxicado pelo dinheiro.
Quando é demais, o dinheiro converte-se numa doença moral, uma espécie de envenenamento do sangue.
Existe um preço para tudo nesta louca cavalgada "civilizacional"! Ainda não foi descoberto um truque para vender o Sol; inventaram-se, porém, as lâmpadas de quartzo que nos dão um pouco de aquém e de além do espectro solar.
Os homens extraordinariamente ricos, são maníacos, enfermos, psicopatas . Em suma, sejamos francos: para que serve todo esse dinheiro aos ricos, conquistado à escravidão dos pobres ? De que lhes vale uma coleção de automóveis, senão há possibilidade de utilizar mais que um de cada vez? Por muito que possua, ninguem poderá fazer mais de três ou quatro refeições diárias; não ocupará mais que uma poltrona nem viajará melhor que em primeira classe. Por mais que se use a roupa, esta não durará menos que uma estação. De cinquenta pares de sapatos, escolhe afinal sempre o mesmo par, o que não magoa os pés. As adegas transbordantes de vinhos caros tornam-se inúteis, porque o médico de luxo, forçado a dizer qualquer coisa para justificar o preço da consulta,recomenda a abstenção de bebidas.
O colecionador hipertrófico de dinheiro acaba colhendo desprezo. Quanto mais se ilude de atrair os homens, tanto mais se vê isolado de si mesmo. Olhando as ruas frente a uma janela veem-se pessoas, frente a um espelho tambem ele de vidro, revestido com uma camada de prata deixamos de ver os outros e só nos vêmos a nós próprios.
A camada de prata! A barreira de prata ou de ouro é que leva o operário, o artista, o boémio, o refratário, o irregular, o não conformista,a repartir com o pobre a sua ultima nota de vinte, ao passo que o multimilionário, a sociedade anónima, a alta finança afrontam o tribunal, o ridículo para negar os cinquenta euros que devem sacrossantamente ou para obrigar outrem a pagar os cinco euros em dívida.
Nascemos para viver numa paisagem idílica e pura. Os sinais de trânsito, as proibições de pescar, os avisos proibitivos do todo, de tudo, relegaram a origem humana para jaulas obscuras, residências predilectas das depressões e frustação global reduzindo o homem a uma insignificância para a qual não foi gerado. O sofrimento!
A ferocidade colectiva da "civilização" só serviu para educar a juventude a defender-se por quaisquer meios mais ilícitos que lícitos, contra as injustiças futuras.
Na área social, o retrocesso o embrutecimento colectivo atingiram a auge do individualismo crónico e estupidificante! O homem não se pronuncia, abstem-se, estagnou no alumbramento da sua origem.
As religiões e seitas, produtos humanos, tomaram a seu cargo a destituição da moral fragmentando, alimentando ódios e guerras, fanatismos que nenhum deus tem capacidade de pacificar perante a derrota. Caprichosamente os deuses continuam infalíveis na mente dos seus criadores; agora loucos varridos que agem intempestivamente renegando a sua própria origem "pacificadora e unitária". O homem está só, desagregadamente só ! Não pensa age segundo critérios dos seus opressores que o conduz indubitavelmente à barbárie e ao caos.
Dá-se preferência ao fast food, às frases feitas por livres pensadores, aqueles que se reservam o direito do lodibrio de não pensar em coisa alguma. A busca incessante por uma possibilidade de vida noutro qualquer planeta são a prova inequívoca de que não se está bem em nenhum local do planeta terra, prevertido e destroçado por esta espécie de bárbaros indiferentes ao idilico paraíso do qual descendem de uma ordem natural !
Somos intolerantes entre nós e vamos buscar inimigos supranumerários, novos concorrentes. O homem, "esse desconhecido" no campo da biologia, é ainda mais desconhecido no campo da psicologia; e o nosso pouco e presunçoso saber é tao incerto e contraditório, que todos os dias sofremos desmentidos. Falamos em pôr a guerra fora de lei, ó ingenuidade, de pôr fora da lei a ultima invenção mortífera; no outro dia cogita-se um aperfeiçoamento que a torna mais mortal.
A ciência evoluiu vertiginosamente em sentido contrário às necessidades humanas desenvolvendo armamento atómico capaz de uma destruição global, enquanto isso as grandes doenças que afectam a humanidade permanecem férteis pela importância que representam para o grande capital que se alimenta vorazmente deste desconexo.
Quando se efectuou o teste da primeira bomba atómica na Ilha de Bikini, toda a população pacífica da Ilha de coral e madrepérolas foi convidada a mudar-se para outra parte. As mulheres de cabelos engrinaldados de jasmins procuraram novos jasmineiros em Ilhas mais sossegadas; os anciãos embarcaram, nas pirogas, os ídolos, os feitiços, os tabus esculpidos pela faca dos antepassados; os jovens partiram, cantando, para um novo "quem sabe onde ?" à procura do problemático "talvez" da sua vida, que continua sendo o mesmo da dita "civilização" da actualidade.
Mas o choque de hoje, choque da "civilização" é um drama não previsto pelo próprio Wells, que previu a guerra interplanetária.
(textos de opinião pessoal e colectivo protegido por copyright , é proibida a divulgação sem prévia autorização do autor)
O autor não utiliza o acordo ortográfico
ensaiosobealucidez53blogspot.com
Sem comentários:
Enviar um comentário