segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

UMA ANTIGA NOVA

UMA ANTIGA NOVA

Os nossos corpos, felizes e agradecidos, jaziam imóveis após a união repetida e profunda. A respiração coordenada transmitia uma dupla sensação de plenitude. Só as mãos se procuraram. Já não buscavam as zonas erógenas, que tanto prazer tinham celebrado. Era o momento do sossego, da serenidade.
A Lídia disse:
- Devo ser antiga.
A minha mão moveu-se, interrogativa.
- Sim, devo ser antiga porque no sexo não quero experiências, vanguardismos, posições insólitas, extravagâncias, aberrações. Para mim não há nada mais bonito do que ter-te dentro de mim e que aí trabalhes, osciles, derrames. Devo ser antiga, não achas?
Continuei a olhar para uma mancha de humidade que sempre me fascinou, mas afirmei:
- Gosto das antigas.
- No plural? - perguntou ela.
- Não, no singular. Gosto da Lídia, a antiga mais nova que conheço.
- E tu o que és?
- Eu sou uma velharia.
Na rua soou a sirene de uma ambulância. Ficámos em silêncio até que o alarido se dissolveu na distância.
- Sabes o que a Alzira me perguntou há uns tempos? Que se nos dávamos tão bem como parecia, porque é que não casávamos.
- É um pouco metediça essa senhora, não achas?
- Foi o que eu achei, mas não lhe disse, claro. Ela percebeu que a pergunta me tinha caído mal e tentou voltar atrás.
Mas eu fiquei a pensar.
- A pensar? Não me digas que te queres casar?!
- Só disse que me deixou a pensar.
- Ah!
- E o que é que tu achas?
- Não acho nada. Nunca tinha pensado nisso. Diz-me uma coisa: não estamos bem assim?
- Estamos.
- Então?
- A verdade é que a pergunta da Alzira me pôs a pensar, comecei a imaginar como seria a nossa vida no dia-a-dia se tivéssemos um apartamento só para nós, permanente.
- Se tivermos dinheiro para pagar podemos ter um apartamento, sem a obrigação de passarmos pelo registo.
Agora vinha da rua uma gritaria de mulheres.
- São as velhas da frente. Pregam-se sempre ao fim da tarde. São as minhas vésperas privadas.
Rimo-nos descontraídos.
- E se deixarmos isso ao acaso? - perguntei?
- Queres atirar uma moeda ao ar?
- Isso também não. Uma coisa mais divertida. Para mudar de casa e para comprar uns móveis é preciso dinheiro, não é?
-É, mas não o temos. Sabes que mais vamos mas é investir na nossa felicidade, enquanto o capital se consome na sua própria fogueira da imbecilidade.
- Já te disse, devo ser antiquada.

Vitor Jorge

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