domingo, 17 de julho de 2016

PRISIONEIROS DA PUBLICIDADE

Um grande técnico publicitário, e meu amigo pessoal, escreveu há alguns anos um artigo para o jornal "A Capital" versando o tema "As NovasTécnicas de Publicidade".
Afirmou que os superlativos já não exerciam influência no público e que ás expressões " óptimo, único, perfeito," se preferem termos atenuados, "relativamente bom, eficaz na generalidade dos casos". Em alguns países, na actualidade, não porque se inspirem na psicologia de massa e sim para resguardar o público de fraudes a lei proibiu os anúncios que aliciavam os ingénuos: "a erva que neutraliza o cancro"; o sal que cura a epilepsia", " a loção que restitui a cabeleireira ..." Hoje diz-se: "eficaz como coadjuvante ... recomendável como complemento da cura ..."
Mas o público se lhe disser-mos demais acredita menos, e dizendo-lhe menos acredita mais; continua, pois, a comprar o sal, a erva, a loção; e o resultado é o mesmo. Submerso no "maelstrom" da publicidade, que lhe reduziu ao mínimo os textos dos publicitários, o leitor sofre, sem a avaliar, esta violência psicológica: "beba, compre, peça, prove!"
Lembro-me dum cartaz de propaganda em Paris onde três ou quatro pedestres apontavam, com uma risada escarninha, um passante trajado de modo ridículo, com o estigma da ideotice na cara. Eis um homem que ainda não viu Phi- Phi, dizia o letreiro, Phi-Phi era uma opereta; e os que ainda não a tinham visto reconheciam-se naquele anormal (como eu) que estava a par dos sucessos parisienses.
Um anúncio que impressiona sempre é o que aparece anulado por dois riscos em cruz. Mesmo quem não lê sistematicamente anúncios, lerá esse.
A perfeição máxima foi atingida pelo anunciante que, sob o título "Saltem estas linhas", dizia: "Não leram o título? Não viram que deviam saltar este trecho? Então porque teimaram em ler? "Se ainda não desistiram, perdem o tempo. É o momento azado para mostrar que são dotados de força de vontade bastante para desistir. Não compreenderam? Basta! Chegaram a meio e ainda continuam. Não sabem resistir à tentação de ler a linha seguinte. Ou resistem? "Não.
Bem dissemos nós.
"Sabem explicar o que lucraram com isso? Nada. Mas vocês procedem como se estivessem enfeitiçados. "Restam poucas linhas. Mostrem que tem força de vontade e parem. "Mas provavelmente são curiosos e perderão tempo, lendo até ao fim. Não é? "Então comprem ... "
Sofre o sistema nervoso comprometido pelas violências, pelos abusos, pelas obsessões da publicidade, cantada musicada, declamada através das ondas do éter, aconselhando o depurativo regenerador da circulação, garantida de artérias de papagaio, e longevidade correspondente. Estava eu a almoçar num restaurante da baixa Lisboeta com este meu amigo publicitário. O dono do local, mais hábil em preparar um "cozido à portuguesa" do que em destrinçar nós psicológicos, mostava-se alarmado pelo letreiro inaugurado pelos seus três concorrentes da mesma rua: "Aqui come-se melhor do que em Lisboa inteira". "Servimos pratos que não os há tão bons em todo o Portugal". "O restaurante onde se come melhor do que em todo o mundo". O pobre homem sabia que não é possível ir além do universo e não via como desbaratar os rivais. O meu amigo, mestre da publicidade, aconselhou: Escreva: "aqui come-se muito melhor que em toda a rua". Nesse ponto intervim eu, que não sou poeta menos técnico de propaganda: Pode fazer uma coisa muito mais simples. Escreva: "Aqui come-se".
Resultou! Para ele, e para mim. Ainda me lembro de ser obsequiado com três almoços grátis, e uma amizade que perdura até hoje, desinteressadamente.

Vítor Jorge 17/07/2016

(Deixo expresso o meu pedido de desculpas aos meus fiéis leitores(as) pelo facto do tema de hoje não ter incluído os nossos doentes, casos do vosso interesse pessoal, animais, etc. Recordo que cada caso é um caso e todos merecem a minha mais empenhada preocupação, excepção para casos específicos com os quais não se identificam. Lamento não ser à double face. À la tienne. Merci.

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