sexta-feira, 1 de novembro de 2013

O PESCADOR COM O DIABO A REBOQUE

18 MAIO 2013, 08:11 Gilberto era homem de estatura mediana, mas muito conhecido pela sua coragem enabalavel, sempre tratando o medo por tu. Cuidava de pequenas hortas que produziam o suficiente para alimentar a família, ele, a esposa, e um filho de tenra idade. Era também pescador, por necessidade e era vê-lo sempre que o mar permitia, com a sua vara de bambu à pesca indefinida mas persistente. Um peixe hoje, dois amanhã, e vivia feliz. Corria o ano de 1958 ; não existia por aquelas bandas, televisão, toca discos, nem rádio. Bom, excepção para alguns privilegiados, que até possuíam um aparelho de rádio, mas era como se não existisse. Os ânimos exaltavam-se quando as comadres se encontravam e falavam das notícias ; nenhum rádio sintonizado na mesma estação emissora reproduzia as mesmas noticias; dizia uma, no meu disseram isto e isto, ao que outra replicava não, não foi assim, foi assado. Questões de interpretação e cultura escassa. O Gilberto era pobre demais para possuir um aparelho de rádio, por isso, deitava-se com as galinhas e levantava-se com os galos. Certo dia, outro pescador de circunstância, o Ermelindo fora pescar de noite, pescou tanto peixe que chegou a casa com dificuldade. O Gilberto teve conhecimento da enorme façanha, e decidiu também ele, desafiar a sorte e rumar à enorme abundância, não fosse ele tão corajoso e envenenado por uma "pontinha" de inveja. Vestiu calças e casaco de "cotim" cinzento, "suera" de lã, meias de lã, "albarcas de pneu," na cabeça, um luxuoso boné "tipo bolo" último grito da moda masculina. Assim equipado rumou à pesca nocturna levando ao ombro uma vara de bambu especialmente preparada para "caça grossa". Chegou ao pesqueiro o sol ainda ia alto não fosse alguém ter a ousadia de lhe tomar o lugar; a "torcida" de tabaco e as mortalhas de casca de milho ajudaram a passar o tempo e a perder-se na contemplação de um por do sol paradisíaco. Antes de se fazer noite equipou a vara com linha e anzol, analizou o isco, e levou a mão ao bolso do casaco para se certificar que tinha consigo um pequeno coto de vela que sobrava da procissão da padroeira do lugar. Já noite cerrada deu início à pesca, e teve sorte, quatro abroteas grandes e um safio de bom tamanho, guardou este manancial dentro de um saco de "serapilheira" consultou um velho relógio de bolso que incrivelmente lhe deu a hora exacta onze e meia da noite. Decidio terminar a pesca por ali e à guisa de consolação disse: pesquei o suficiente vou para casa. Com a pachorra que lhe era característica enrolou a linha à volta da vara e fixou o anzol no pé da mesma, apanhou o saco com o pescado e rumou a casa. Uma brisa fresca nao permitiu acender o couto de vela pelo que teve de caminhar no breu da noite, o Gilberto conhecia bem o caminho, como o provérbio "de noite todos os gatos são pardos". Vara ao ombro o Gilberto caminhava, lesto, sem se dar conta a linha foi desenrolando da vara até ficar pendente, com o balanço do andamento e por capricho, o anzol prendeu-se ao fundilho das calças, o Gilberto sentiu um arrepio percorrer-lhe todo o corpo e puxava frequentemente a vara contribuindo sem saber para a estranha sensação de trazer algo a reboque; o homem sem medo, repentinamente ficou possuído pelo mesmo, no auge pensou, só pode ser o diabo, e desatou aos berros: "te disconjuro, te disconjuro," diabo do inferno, e assim chegou às primeiras casas do lugar lívido de pânico, ajudem aqui, conseguiu balbuciar e caiu perdendo os sentidos. Juntaram-se algumas pessoas solidárias que não fizeram mais que o trazer à realidade, e retirar o anzol do fundilho das calças, com muito tacto, para não vasar. O medo, mete medo. (Dedico "em primeira mão" esta modesta história verídica à minha amiga Alda Leitão)

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