sexta-feira, 1 de novembro de 2013

PAIXÃO PELO RUÍDO

25 OUTUBRO 2013, 18:21 Os furiosos da música e do barulho, os que mantém o rádio ligado desde que acordam, até que a estação transmissora lhes dê boa noite, os que instalam no automóvel instrumentos potentissimos que debitam um som sem qualquer conexão com música, os que preferem restaurantes com som elevado, porque a música sincopada não os deixa pensar, ou cria um alibi para a sua aversão a reflectir, tem o grave defeito de não pensar que também existem os outros, as pessoas que prezam a música em doses razoáveis, que nem sempre estão dispostos a ouvi-la, que pretendem conversar, ler o seu jornal, comer os seus petiscos ; os que tem de tratar de outra coisa. A música - refiro-me à música sem segunda intenção - é nefasta quando em mãos erradas de pessoas que se preocupam com o seu prazer pessoal, sem cuidar de que, no raio acústico duma centena de metros - ou dum quilómetro, se houver altifalante - pode incomodar alguém. Até há pouco tempo, os cantor@s sem voz eliminavam-se por selecção natural. Hoje é o microfone que os impõe; e os cantores sem voz são os que mais gritam. É de ver a sádica avidez com que se agarram à haste do microfone, como se fossem engolir o apetrecho. A sua voz ténue, multiplicada, ampliada, enche um mosquito da convicção de ser um rouxinol. Vítimas da sua própria ilusão, perdem todo o controlo e, extasiados porque a mecânica faz as vezes das cordas vocais, dão "bis" que ninguém lhes pediu. Não sou inimigo da música. Seria anacronismo, tanto como detestar o carteiro. A música é um sinal dos tempos e é insensatez opormo-nos às grandes correntes da opinião pública. Prezo um local em que me seja dado cinco - não exijo mais ! - minutos de trégua, durante os quais seja possível trocar uma palavra com o comensal, ou consultar o empregado a respeito do vinho. Os locais com música ribombante reduziram as pessoas a uma mímica de surdos-mudos. Estarei em erro ? Talvez. Eu venho de uma época em que os tapetes serviam para atenuar os ruídos e as crianças aprendiam a não bater com os talheres no prato. Vários indícios autorizam-me contudo, a supor que, nesse tempo, não estavamos em erro. Fabricam-se hoje materiais anti-acústicos, para isolar as zonas de ruído das zonas de silêncio ; afivelando o esfigmometro ao braço do paciente, demonstra-se que certa música eleva a pressão arterial. A música, nunca deixará de ser a pedra filosofal, no desiderato da alma em doses aceitáveis.

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